sexta-feira, 2 de abril de 2010

- A poética forte de Lilian Maial _


BANDIDOS

...E sem imaginar qualquer despedida,
corremos pela cidade vazia,
saqueamos lojas,
atravessamos na contramão:
tu, com meu pulso nos lábios,
eu, com teu desejo nos olhos.
Deixamo-nos levar a favor do vento,
contra a corrente (de tráfego)
praticamos pequenos furtos:
eu, escondendo os teus sussurros,
tu, falsificando meus delírios.
Sorver teus respingos,
evaporar tua garoa,
pular do viaduto,
para te entregar, leve,
meu corpo à toa...

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VINTE LUAS

Vinte luas num céu tão negro.
São vinte luzes numa só claridade,
Madrepérola pendurada no céu.
Vinte luas num mosaico,
Nacaradas irmãs.

Um inebriar de cheiros de risos,
Timidez de estrelas-cadentes,
Fugidias palavras.

São vinte luas a confundir meus olhos.
Teus olhos como vinte luas.

Passam pedras brilhando anéis,
Passam pessoas nublando minutos,
Passam pedintes vendendo promessas.

E lá estão as vinte luas encarnando teimosia,
Que a lua esconde um segredo
(que o astigmatismo desvenda):
São vinte luas sobrepostas
A enganarem amantes,
A iludirem poetas,
A revelarem segredos.

Vinte luas nos teus lábios,
Todas sorrindo paixão.
Vinte luas nos teus dedos,
A me sussurrar poesia.

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Brincar com os poetas...



Para entender um poema com sabor de mel
há que brincar com o poeta.
Brincar com poeta é fazê-lo ouvir as letras.
Ele escreve a palavra, mas nem sempre ouve as letras.
Para ouvir as letras, há que ser surdo de regras,
cego de nomes,
mudo de risos.
Mesmo quando vê o vazio dos dias,
a lacuna de idéias,
a maldade dos homens.
Mesmo quando rabisca no peito um soneto,
quando entoa na alma a canção,
e insiste em ver, lá dentro,
solitário coração.
O poeta é um velho levado,
meio senil, meio sério, meio assanhado,
mexendo com as rimas fáceis,
sonhando com metáforas virgens.
É um idoso sem tempo,
que não solta e nem prende, somente.
Ele vira de ponta-cabeça todas as vezes que escreve.
Parece palhaço, parece parado, parece pirado.
Brincar com poeta é perigoso,
porque poeta leva tudo na ponta da faca,
na ponta da língua,
na própria palavra de dois gumes.
Poeta sonha que sonha,
enquanto diz as verdades e engole a peçonha.
Sem tempo ou lugar, poeta também gosta de brincar.
Ele brinca de estrela,
ele pisca a paleta,
ele chove no rio,
ele chora no mar,
ele pula a carniça que o verso mandar.
O poeta se esconde no pique da praça,
leva tombo nos cantos,
faz rir de pirraça.
Umas vezes é triste,
outra vez é moleque,
um tinhoso carente,
um castelo sem vela.
Ele finge que sofre,
ele mente que ri,
mas quando a noite chega,
ele olha pra lua,
ele rima comigo,
faz preces nos morros,
recosta na sombra,
que a noite é tão clara,
que o céu é tão grande,
que o sonho é tão logo,
que o sono já vem.
Brincar com poeta é conto de fada.
é cair na cilada de ver só o belo,
mas eu, a palavra,
a pena e o passo,
sou seca e cruel,
não brinco em serviço,
nem assumo compromisso.


Lílian Maial


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2 comentários:

  1. Grande Poeta, grande mulher! Admiro muito nossa Lilian!O sorriso dela já é um poema.....
    Bjs

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  2. Obrigada, Bel!
    A recíproca é absolutamente verdadeira, inclusive o seu sorriso, que é algo bastante misterioso e inspirador.
    beijocas,
    Maial

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