quinta-feira, 1 de abril de 2010

_ o dizer poético de Ana Merij _


_ para dizer adeus _

( para o irmão que virou horizonte)

foi ele ...
quem plantou esse embondeiro dentro de mim
ensinou-me a beber do sumo para engordecer alma
no tempo em que a vida corria azul sobre nossos dias


foi ele...
quem colocou em minha boca esse gosto de geografias
essa fome insaciável por descobrimentos de terras longínquas


foi ele...
quem escreveu minhas cartas de navegação
e esse querer absoluto de ser mar e navio


agora...
com um precipício dentro do peito
quando ausência ultrapassa o grito
quando a lua envelheceu
quando extinta a primavera

quem juntará meus fragmentos:_como puzzle?


por todos os deuses:
amordacem as sirenes
aquietem os sinos do convés
apaguem o marulho das vagas
calem esse silêncio salitre do adeus

quero somente cerrar as pálpebras dessa dor
quero purgar-me nas sombras do meu baobá
quero sangrar os versos até o suspiro final da poesia:
- porque para a morte não há metáfora!

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_pictografia_



[que pinte o primeiro verso,quem da vida-nunca provou advérbios...]


quero um poema que conheça d' águas os riscos

que caminhe sobre elas feito os barcos pescadores

biblicamente audaz, confiante como se fora cristo



quero um poema verde-lilás, sem medo de se afogar

como só sabem os oceanos em dias de fúria e maré alta

um poema que mergulhe nas ondas sem naufragar



quero um poema alado, que flane por trilhas de sabiás

que converse com eles e afine sua voz nas cordas do seu canto

melodiosamente, como se fora um seresteiro nas noites de luar



quero um poema que saiba o gosto do orvalho das manhãs

mas beba do fel, mergulhe nas dores, deslize entre labaredas

que no fogo sem se queimar, delire em febre terçã



um poema que ande no escuro com olhar de claridades

onde a vida caiba num ninho de passarinhos, no caldo da cana caiana

quero um poema :_ que faça surgir o impossível milagre!


*********


_ canção molhada de sal _


a palavra corta a tez da paisagem, corta o tempo
e minhas reminiscências, incisões que olhar bem sabe ler
corta essa dor tão sucessiva, textura de minhas raízes
! corta-me

ainda assim escrevo:
nas letras dos prantos e gritos de minha história
para doer-me nessa canção molhada de sal
para chover-me no pó das velhas estradas
nessa partitura cerzida com os fios da memória

ainda assim escrevo:
para soltá-la aos ventos nos céus de gaivotas
para que voe por horizontes escondidos entre montanhas
semeando essa dor- essa desesperança, em verdes trigais


e rasgo:
-para esquecê-la
-para esquecer-me


quem sabe amanhã, quando eu partir ...
alguém possa reescrevê-la sob a paz de madrigais
[ou ninguém- ou jamais]



*****************



_EfemerIdades_

o que é ...
assim permanece

consentimentos do tempo

a terra
a árvore
a lápide

tudo mais efemerIdades

o que sei
desfolha-se ao gosto dos ventos

perenes...
das aves o canto
dos lírios o branco

dádivasemeadas num qualquer campo

na bíblia do instante
na epístola das horas
nos pergaminhos das portas

o que não sei existe

por encurtamentos de olhares leio apenas o que deus permite

**********

_avant propos _

[ do dia que comi estrelas]



das estrelas que comi, vivo

nem doce- nem amarga, apenas sigo



furtaram o sorriso das manhãs

tal como de um descuidado pássaro, as asas

porque desconhece de armadilhas ou artimanhas


e do dia que nem chegou rasgaram todas as graças

como da inocente ave, aprisionada minha esperança

ficou somente esse gosto de estrelas na palavra escassa

nem doce- nem amargo:- no céu dos sonhos, um travo!


[das estrelas que comi-vivo, nem doce- nem amarga:
_ sigo! ]


nanamerij


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6 comentários:

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  2. Raquel, querida:
    Obrigada pela visita, volte sempre.
    QQ. hora vou ver sua mãe, só tirar um sossego da vida. Mande beijos meus para ela- minha sempre querida primeira professora.
    Carinhos, nanamerij

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  3. Uma das poetisas que eu leio, sempre, com atenção. A diversidade do discurso poético, um regionalismo que se universaliza, a palavra cuidada no ofício.
    Ana Lúcia é, sempre, uma poetisa leitora de referência.

    José Félix

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  4. José Félix,
    Saber que tenho em você um leitor, razão maior para prosseguir neste oficio[ árduo ] de buscar
    o melhor de mim, no fazer poético.
    Saiba, em você minha referencia maior de aprender e apreender pelas lides das palavras.
    Obrigada por tudo, para vc. e tão somente para vc., o abraço fraterno , de analucia

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  5. Nana, tantas belezas delicadas, dieta de estrelas seria a explicação? É esse um dos seus segredos?
    Carinho,
    Walter

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  6. Walter, meu bom amigo:
    Pode ser,talvez as estrelas mantenham minha memoria da alma , a muscular e a poética .
    Obrigada!
    Um beijo carinhoso, nanamerij

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