sexta-feira, 2 de abril de 2010

_ A sinfonia poética de Naldo Velho _


A mulher que rezava em seu terço,
pedia benesses que eu nem sei se mereço.
Depois de algum tempo Deus respondia,
que cada pedaço de pão teria seu preço,
e que a paga mais justa era o amor que existia.

Ainda assim a mulher rezava em seu terço
e prometia oferendas, penitências, desvelo,
e pedia ao Pai um lugar ao seu lado.
Depois de alguns dias o Céu respondia,
que para cada degrau haveria um tropeço,
e que continuar no caminho já era um começo.

E assim a mulher guardou o seu terço,
abriu a janela, andou pelas ruas,
percebeu dores que não eram as suas.
Depois de algum tempo estendeu suas mãos,
amparou quem havia desabado em tropeços,
e aprendeu finalmente a caminhar entre escombros.

E então a mulher se lembrou do seu terço
e agradeceu ao Pai por viver dia a dia,
e a cada dia um tropeço,
e a cada tropeço um novo começo.

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POEMA DILACERADO

Por saberes, segredos, essências,
sacramentos sagrados, sementes,
sangue, suor e saliva,
saboreados assim indecentes.
As lágrimas que trago comigo,
são salgadas, veneno latente.

Silenciosa e insidiosa serpente
que na tocaia sibila contente.
Um bardo a buscar um consolo
num poema feroz e indecente,
cantou cantigas de um tolo,
afogou-se em tonéis de aguardente.

Um palhaço lamenta e chora
a desdita de um ser tão descrente.
A poesia que eu trago comigo
já não jorra da mesma nascente.

Profanei meus templos, faz tempo,
naufraguei bem próximo ao cais,
soçobraram os meus sentimentos,
só restaram alguns poucos ais.

Saberes, segredos, sementes,
sangue, suor e aguardente,
gotejando do canto dos lábios,
letras frias demais!

A poesia que restou sem abrigo,
versos tortos paridos gemidos,
só destoam e ainda que doam,
não conseguem trazer-me à paz.
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DE CIMA DAQUELE MIRANTE

E havia aquela chave
que abria todas as portas,
algumas eu evitava,
outras eu me obrigava;
mas existiam aquelas
que guardavam mistérios
e elucidá-los trazia sempre
um grande prazer.

E havia aquele quarto,
e a porta convenientemente entreaberta...
Por lá, a nostalgia florescia
e eu não sabia dizer o porquê.
A cama, a mesinha de cabeceira,
e nela uma jarra com água e um copo;
na parede um quadro sombrio,
monocromática visão
de algo que eu não entendia.

E havia aquela porta
corajosamente escancarada...
Lá fora: ruas confusas,
esquinas vadias, madrugadas impunes,
e o vício do orvalho
a contaminar meu coração.
Até hoje carrego as marcas,
cicatrizes que ainda doem...
Só não sei onde guardei a chave?
Mas não importa!
De cima daquele mirante
eu vou conseguir Te perceber

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CADA VEZ QUE ENTARDEÇO

O silêncio das almas, a espera inquietante,
o livro aberto em cima da mesa,
feridas cicatrizadas e um monte de incertezas.


As marcas do tempo, a rota dos ventos,
a cada passo colho pedras e espinhos,
dias e noites ao relento,
a face enrugada já não me deixa mentir.


Um rio de águas claras tem seu curso em meu quintal,
e do lado de lá, margem contrária de quem sofre,
um tempo, que eu pressinto, de delicadeza.


Cada vez que entardeço, atravesso um pouco mais.
NALDOVELHO

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2 comentários:

  1. É sempre bom navegar pelos poemas de Naldo Velho!!!!!!!!!!

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  2. Gostei muito do blog e mais ainda dos poemas!
    visitem-me www.manuscritosdigitados.blogspot.com

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