quinta-feira, 1 de abril de 2010

-O tanto azul na poética de José Dias Egipto-


O Lápis-Lazúli Filial


A ordem
foi dada
para que se erguesse
o espelho
em frente
à grande sombra...

Que descesse
a onda
ao grão de areia
para que a barrasse...

Que pudesse
haver um olhar
do avesso,
talvez um recomeço
ou um simples testemunho
que ficasse...

Havia por fim
que dar um canto
ao infinito,
cruzar o horizonte
com as mãos agudas
de um grito...

Vencer somente
a nossa cruz !

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Dúvida


Quem és tu,
esquina oblíqua
da incerteza,
garganta de sombras
e de esperas prometida,
que gelas a alma
entontecida
e cais em ledo cio,
como janela
mil vezes batida
e aberta num vazio? ...


Quem és tu,
ave ferida
num abrir e fechar de asas
aflito,
na argúcia de as suster
só para ninguém ver
que abrasas e sangras
de um vício nunca dito?...


Quem és tu,
azul imenso de mar
e de céu,
frívolo e materno,
de formas fechadas
e redondas?...


Sabê-lo-á
só quem rasgar colérico
esse véu,
só quem o mar
souber fechar
em suas ondas!...

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Uma espécie de mar


Deixa-me ser o mar
das imagens sucessivas
dos teus dias.
Aquele que se pudesse colar à tua pele
como um ferrete indolor,
como uma outra textura onde se misturam
os sabores que apenas advinhas
atrás dos gestos banais que te procuram...

Uma espécie de mar mesmo às escuras
num movimento ondulante de memorias,
que tu sentisses apenas como espuma,
que te envolvesse em torvelinho
sem te levar ou te prender
e se projectasse em ondas mansas
numa canção de embalo ou verso
para te banhar o coração sem o saber...

Deixa-me ser esse vitral azul,
irrepetível mas constante,
essa espécie de mar em extinção
onde tu possas imaginar o que quiseres,
no limite das forças da tela da jornada,
uma projecção visual dos teus prazeres
ou, tão somente,
o debruar furtivo de minha alma
nos desenhos irreflectidos
da nossa paixão atribulada !...

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José Dias Egipto

Um comentário:

  1. Letras lindas e que eu desconhecia... Grata pela satisfação, Poeta!
    Um abraço

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