AMOR DIVINO
Eu sei que me amaste no brilho das coisas simples
como o verde da árvore, a seda dos crepúsculos,
a água-mater das mãos recolhendo a coloração dos frutos
porque, sei-o hoje, se me amasses rubi ou esmeralda
o amor reluziria na tremura dos teus dedos.
Agora, eu sei que me amas como se fosse uma deusa
inalcançável detendo o fogo dum raio de luz
e, ainda, que doendo a renúncia desse fogo
continuas a amar-me na minha imortalidade de mortal.
Eu também sei que numa rosa encarnada
sentes o perfume dos meus cabelos e me chamas
deusa em movimento, mutilada num alvoroço de
pregas esvoaçantes e asas aladas.
Ainda sei que me amas na figura de Florbela
quando no parque dos poetas a solidão te encontra
e a beijas tocando-lhe a face de pedra
sonhando o teu toque na carne viva do meu corpo.
Eu sei que me amas na distância dos barcos
indagando o amor na alvura das velas.
Eu sei que o milagre dos meus beijos perdura na dor
dos dias e das noites que separam o nosso tempo…
mas, amor, eles perdem-se pelos prados, avenidas e estradas
e são somente flores abstractas e desfolhadas.
Fica tão longe o meu corpo de ti que somente o sol
se compadece e sente o seu riso no cântico das sereias
e sob o seu encantamento reténs o mar nas mãos
embalando sonhos onde moram as areias.
Meu amor, o mar é negro no rio do inverno
e meu olhar é uma nuvem enclausurada no longe…
Ah! Mas eu sei que me queres a teu lado pelo brilho das estrelas
porque nelas vês o meu corpo num cálice de fulgor divino
ainda que te doa o silêncio de névoa nas janelas.
É então que tua mão traça sobre as saudades do corpo
a poesia de W. H. Auden “Tu és o meu Norte, o meu Sul
O meu Leste e o meu Oeste (…).
Bernardete Costa